A escola não é de todos… mas está quase!

– por Cristina Palhares

No sábado passado, no Porto, tal como foi amplamente noticiado nas redes socias, a ANEIS – Associação para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação realizou um seminário intitulado ‘Sobredotação: Desafios na Identificação e na Intervenção’, ficando a meu cargo o tema ‘A ANEIS e a intervenção na escola pública: responsabilidades partilhadas’.

Neste momento, e volvidos quase 18 anos desde o seu início, podemos afirmar que somos uma referência a nível nacional e internacional nesta área, mas que, infelizmente, ainda pouco reconhecida quer nacional, quer localmente. Temos desenvolvido muito suporte teórico, de investigação, sempre em uníssono com as nossas universidades, aliado a uma prática, de identificação e intervenção juntos destas crianças, jovens e suas famílias, ímpar em Portugal.

Continuamos no entanto na cauda da Europa, sem legislação específica que suporte o apoio da escola pública, numa escola que se quer de todos e para todos. Mas não é, não! Ainda não é. Do seminário do Porto, repleto de professores e técnicos com grande vontade de conhecer melhor para melhor intervir, o meu agradecimento pelo quanto acarinharam o nosso trabalho. E, como sempre, devolvo às escolas e a todos quantos aí vivem todo o carinho que vou recebendo.

Hoje, partilho convosco a carta de pedido de ajuda de uma das nossas jovens – a mais velha – e que em breve nos deixará. A terminar o nosso secundário, aqui em Braga, não lhe foi muito fácil cumprir com o nosso sistema de ensino. Nem sempre foi bem compreendida e acarinhada por uma escola que o devia fazer. Hoje, e após uma candidatura exigente de avaliação dos seus conhecimentos, a Iara foi aceite numa universidade americana, para o curso de Física.

E se a felicidade dela for diretamente proporcional à força do abraço que recebi, ela está muito feliz. E eu, por ela. Hoje também, terá que recorrer à ajuda de entidades públicas e privadas que se queiram associar, para poder frequentar a universidade que tanto deseja e para a qual demonstrou ter capacidade e talento.

Deixo-vos com a carta que ela escreveu, e na certeza de que seremos capazes de a ajudar a cumprir um sonho: O meu nome é Iara Monteiro e hoje escrevo-lhe para apelar á sua ajuda. Nunca fui uma criança fácil, a minha mãe dir-lho-ia, e tive uma infância um bocadinho triste porque nunca me integrava nas escolas e tinha muita dificuldade em fazer amigos mas, mesmo assim, com o amor, carinho e suporte que a minha mãe me deu incondicionalmente cresci feliz e tornei-me numa pessoa íntegra, determinada e ambiciosa. Desde pequena que o meu maior desejo é deixar uma marca no mundo. Todos os dias este desejo me tem incentivado a ambicionar os céus e a terra, olhando para o impossível como uma meta alcançável.

O meu maior sonho é estudar (…), viver noutras culturas, compreender outras mentalidades e descobrir as coisas mais simples e complexas através de pontos de vista completamente díspares. (…) e, com os olhos postos num futuro brilhante, decidi candidatar-me a algumas universidades e sonhar alto. Há cerca de quatro dias recebi uma carta que me deixou imensamente feliz: a carta de aceitação para uma das melhores escolas de NY – Hofstra University. Gostaria de lhe demonstrar o quanto me senti valorizada e esperançosa em relação ao futuro mas, infelizmente, não há palavras que o expliquem. A alegria de ter a oportunidade de me concretizar pessoalmente, de aprender coisas novas, explorar ideias inovadoras e trazer honra e orgulho ao meu país é indescritível.

Eu não quero ser um exemplo de quase sucesso e, portanto, gostaria de lhe pedir se me poderia dar alguma ajuda económica, por muito mínima que seja, para pagar uma parte dos meus estudos. (…) Se lhe for possível ajudar não sabe como ficaria eternamente grata e se não for, ficarei grata pelo tempo que disponibilizou para ouvir a história e os sonhos de uma simples aluna de quem um dia lhe garanto que vai ouvir falar. Atenciosamente, Iara Monteiro.
Nos próximos dias vamos fazer ouvir a história da Iara (que bem pode vir a ser a história de muitos mais) para que consigamos ajudar enquanto comunidade a valorizar o talento rumo a um melhor entendimento do ser humano que todos somos. Voltando ao Porto… a escola ainda não é de todos, mas está quase, sim?

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