As palmas do Pinóquio
– por Cristina Palhares
A primavera, tempo de “re”nascimento, “re”criação, de tantos “rrres”” que juntos fazem a mudança, traz à memória um texto escrito há alguns anos, que aqui “re”crio, aqui “re”escrevo, porque continua “re”incidente nas salas de aula, nas atitudes de alguns professores, nas práticas de tantos outros. Presente num congresso onde se falou de crianças, de cidades, de autonomia, de educação… muitas palmas se ouviam na sala quando se falava da abolição dos TPC,s, dos testes diagnóstico, das turmas com um número elevado de alunos, de alunos excluídos dentro da própria sala de aula… de tantas coisas aplaudidas a maior parte das vezes por aqueles que nos minutos, nas horas, nos dias seguintes são os primeiros a marcar TPC,s, a administrar testes diagnósticos, a excluir os já excluídos.
Mas funciona como o Grilo que acompanha o Pinóquio… o orador que diz tudo aquilo que eu gostava de fazer… mas que não faço. Que diz tudo aquilo que eu gosto de ouvir,… mas não digo. Sim, que diz que eu, enquanto professor, tenho autonomia, mas não uso. Porque a autonomia é acima de tudo o espelho de quem tem posições e as assume… de quem programa, mesmo que “contra todos os programas” e prevê os seus resultados, de quem avalia porque é justo e porque promove o desenvolvimento. E por isso as palmas crescem de entusiamo e os narizes acompanham… crescem também!
Um dos meus autores de eleição que passou nestas minhas linhas, Reboul, falava dos quatro poderes atribuídos aos professores, ao serviço do aluno: disciplina, programação, avaliação e motivação.
Disciplina é então entendida como “a ordem, sem a qual não existe nem liberdade, nem justiça, nem criatividade”. E esta ordem quando estabelecida já não necessita de intervenção. A ordem não humilha, não pune. A ordem não prova autoridade
mas antes competência.
Um outro dos poderes atribuídos ao professor é a programação que se poderia resumir nas suas palavras: “… é ao docente que compete programar, dentro do programa oficial, o seu próprio ensino, adaptá-lo ao nível dos alunos e às suas necessidades. Se, por rotina ou por constrangimento, se limitar a seguir um programa estabelecido de fora, abandona a sua função de docente na mesma medida que se ensinasse sem programa”.
Já relativamente à avaliação o professor encontra-se numa situação difícil: ter que avaliar permanentemente sem nunca estar certo da sua avaliação. Se por um lado renunciar à avaliação é uma verdadeira falta de justiça para com o aluno, avaliá-lo terá que necessariamente estar ao serviço do aluno: deve sublinhar os fracassos mas também os seus êxitos; não deve incidir no indivíduo mas nos seus atos; e a sua finalidade deveria ser a auto-avaliação.
O último poder do professor para Reboul é a motivação que também tem sido alvo, desde Rousseau, de grandes reflexões. Entendendo então a motivação como uma transação (pedagogia da transação) entre a procura espontânea do aluno e as exigências do ensino, Reboul descreve-as: despertar curiosidade e alegria na compreensão, ajudar a vencer dificuldades que levam ao prazer de se vencer a si próprio, entender a necessidade de crescimento como aprendizagem, utilizar o prazer lúdico como forma de auto-educação, fomentar o interesse pela matéria estudada, e, finalmente, como motivação mais completa, levar o aluno a sentir o prazer de criar algo.
“O professor dispõe do poder de encorajar ou desencorajar, de estimular ou de bloquear, de suscitar as perguntas ou de as abafar. É ele, primeiro, que pode fazer do ensino coisa diferente da de uma seleção contínua.” Reboul deixa-nos um legado: a consciência de quão poderosos somos! Saibamos honrá-lo e aplaudi-lo sem que o nariz nos cresça!